segunda-feira, maio 29, 2006

Wer, wenn ich sch schriee

Quem, se eu gritar
me concede a profundeza inversa deste céu
que ao fim de tarde
eu vejo da minha janela
contemplando os anjos
que as nuvens imitam?

Alguém me ouve se eu gritar?

Oiço vozes
mas são vozes inventadas
porque é inútil perscrutar o silêncio
e por isso vos reinvento
a cada pancada do meu coração
a cada pancada surda
que não repercute
no ímpeto claro do vosso desenho fantástico
no alado lado da vossa impossibilidade.

Se eu gritar
alguém me ouve
em todas estas coisas?

Nenhum anjo
escuta o meu grito
que não penetra a noite
e só encontra eco de nenhum desejo

E lançando de meus braços o desejo
não invejo
admiro
a sufocante beleza deste ocaso
cheio de nuvens velocíssimas
e tudo o que eu sinto
é tão imenso
como este ocaso
dantesco
tiepolesco
wagneriano
que eu contemplo
doente do excessivo amor do que é belo
que me afoga
na sua imensidão aérea

E tão fortuitamente criado pelo vento
e pela terra que se inclina
este ocaso laranja sobre azul
esplêndido e kitsch
é tão impermanente
como vós
nuvens-anjos que me arrebatais
com vossos incêndios imensos e falsos
ilusão de óptica que me fascina e oprime

Encostada à minha janela
contemplo a vossa beleza
que a todo o instante
se faz e se desfaz
até o chiumbo da sombra avançar
e aos poucos surgir a noite
antiga e idêntica sempre
lançando-e em vossos braços
vazios
cheios só de vozes
inaudíveis


Ana hatherly, rilkeana 1999

Sem comentários: