Asimov refaz toda a sua mala de viagem em torno de uma ideia, meio turva e até precipitada, por entre as conversas ausentes que o rodeia. Substitui calor por frio na referida mala reforçada para incursões no deserto, e estipula mentalmente o percurso enquanto a preenche; os sons provocados pela ignorância continuam a circulá-lo aceleradamente, passam-lhe vidas alheias e vazias de todos os lados, mas agora, num tom mais apropriado. Do seu lado direito ouve uma história de infidelidade contada entre amigos, sobre sorrisos e gargalhadas. Ouve a astúcia de como engatar a rapariga do outro lado do bar. Ouve mentes demissas...
O barman era um senhor alto ligeiramente magro e, apesar da sua idade, devo-lhe acrescentar alguma postura até, próximo da elegância, com as suas mãos a agirem com delicadeza ao trabalho; limpa os copos um-a-um, verifica-os meticulosamente como aquela fosse exactamente a melhor profissão do mundo e coloca-os prontos a serem solicitados, impecavelmente; refinado. A exigência de ali estar, atento, com aquelas horas tardias, e servir prazer e sono aos devaneios e insónias dos hóspedes, vai para além do súbtil e precioso, um companheiro mudo, talvez, num bar de hotel sem história que poderia existir num outro lugar do mundo; até ao mais recôndido e precioso lugar assiste-se a uma desvirtuação na natureza do sensato, vítima da repetição insensível e dos monopólios. Asimov, atento às movimentações e da dança, que envolve aquela injusta profissão de não saber bem quando se serve o último copo, a última viagem, levanta-se cuidadosamente e repara que as luzes envolventes do bar já se encontram semi-encerradas e que é dos últimos a abandonar a sala. Recolhe então os seus apontamentos em folhas de guardanapo e coloca-as dentro do bolso dos calções como se fosse o mais precioso da noite. Os bancos agora, mais vazios, visualizam as sombras da noite e a refracção da luz desvanece. Das sombras e dos espectros viu coisas absolutamente belas e inesperadas. Dos corredores de Hotel vê mais claro, distorce a realidade de um corredor faustoso e simplifica-o. Com a mão vai percorrendo a extensão da parede, contornando as molduras das portas por entre as pontas dos dedos, até descobrir a sua.
Como é o que o cérebro aceita alterações de humor, porque é que somos tendenciosos e teimosos, para de repente deixarmos cair tudo, como a leveza de quem vê partir quem não sente, e ainda lhe diz um adeus por dentro de um teatro.
Quando abriu a porta do quarto, Asimov, sabia que tinha de sair naquele momento. Há circunstâncias que não esperam, há ideias que morrem se as deixarmos dormir, mesmo que por uma noite...
sexta-feira, julho 28, 2006
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