segunda-feira, setembro 11, 2006

Teatro urbano

Por detrás de um casaco de bombazine antigo descobri um papel amarrotado que ao que tudo indicava ser uma carta, uma estrondosa e apaixonada carta, imaginava eu. Arrebatador, dissera entusiasmada. A vontade foi de facto muito forte e pressionou a minha mão lenta ao pedaço de papel que teimava em deixar-me curiosa. Aquela tarde parecia querer ser mais destemida que as anteriores, todas aquelas que prefaziam a minha inexperiência. De algum modo, e sem me aperceber, salta um estranho indivíduo por detrás de uma prateleira e puxa do casaco, de tal modo violento que a carta soltou-se efectivamente, caindo no chão sem que se tivesse apercebido. Por breves momentos pensei chamá-lo, mas nem o impulso surgiu nem a vontade de devolver e avisar o sujeito apressado aconteceu. Após o sobrecitado senhor ter saído das imediações, num passo estonteante, baixei-me e, contrariamente à tendência dos meus fracos reflexos, retirei logo aquilo que imaginava ser uma carta e coloquei-a no bolso por detrás das calças. Bastava-me agora sair com plena calma e descobrir um local isolado onde pudesse ver o achado sem olhares intrusos. A minha primeira vontade era quebrar aquele teatro e ver o que continha o A5 meio rasgado nas pontas.
Ao desdobrá-lo em casa, em segurança, verifiquei que alguém me procurava.
Tinha os locais que costumo frequentar, horas...tudo! Gelei.
Senti um novo medo urbano. Fechei as cortinas de casa. Fechei-me.
As vezes que vi rua, foram vezes de aparente liberdade. Isso agora acabou.

2 comentários:

Mary Mary disse...

Não consigo competir com isto... Mas vai-se tentar! :P

intruso disse...

(belo post...)

:)