quinta-feira, janeiro 03, 2008

Suite Francesa...

Capítulo Oito

OS MICHAUD tinham-se levantado às cinco da manhã para terem tempo de pôr em ordem todo o apartamento antes de o deixarem. Era obviamente estranho mostrar tanto cuidado por objectos sem valor e condenados, segundo todas as probabilidades, a desaparecer logo que as primeiras bombas caíssem sobre Paris. Mas, pensava a Sra. Michaud, também se vestem e se arranjam os mortos destinados a apodrecer sob a terra. É uma última homenagem, uma prova suprema de amor por quilo que estimámos. Ora, eles tinham grande apreço por este pequeno apartamento. Há dezasseis anos que lá viviam. Não podiam levar todas as suas lembranças. Por muito que quisessem, as melhores teriam de ficar ali, entre aquelas pobres paredes. Arrumaram os livros sob uma estante, bem como aquelas pequenas fotografias de amadores que as pessoas prometem sempre colar um dia em álbuns e que continuavam engelhadas, desbotadas, entaladas na ranhura de uma gaveta. O retrato de Jean-Marie quando criança já fora posto no fundo da mala, por entre as pregas de um vestido de muda e o banco recomendara-lhes que levassem apenas o estritamente necessário: algumas peças de roupa e alguns artigos de toilette.
Por fim, tudo ficou pronto. Tinham tomado o pequeno-almoço. A Sra Michaud tapou a cama com um grande lençol para proteger do pó a seda rosa, um tanto gasta, que o cobria. (...)
O Sr. Michaud pegou na mala e o trio saiu (...)

Iréne Némirovsky

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