quinta-feira, maio 22, 2008

Mr. Jones e eu

Não há limites na devoção a um filme. Para três miúdos americanos do Mississípi, a devoção a Os Salteadores da Arca Perdida atingiu um nível tal que se puseram a fazer um remake do primeiro capítulo das aventuras de Indiana Jones: durante sete anos, torraram o dinheiro das mesadas, pediram chicotes, blusões de cabedal e chapéus como prendas de anos e de Natal, e quase pegaram fogo à garagem da casa de um deles, para fazerem a homenagem suprema (que tem tamanho de longa-metragem, 100 minutos) ao seu filme preferido.

O filme foi esquecido e chegou às mãos do realizador Eli Roth, que o passou a Steven Spielberg. Spielberg, conta a lenda, terá visto o filme mais que uma vez, recebeu os rapazes e elogiou-os. O filme, esse, não teve direito a um lugarzinho nos extras do DVD dos três filmes, mas todas as suas projecções (poucas e com as receitas a irem para a caridade, porque eles não podiam fazer dinheiro com o filme) tiveram lotação esgotada. A história dos três amigos vai ser contada num filme de grande orçamento em Hollywood.

A minha história não é tão original e não merece ser contada no cinema. Não me deu para fazer um filme, nunca tive um chicote e nunca usei um chapéu igual ao de Indiana Jones. Limitei-me a ver o filme. Dezenas de vezes. Seguramente, o filme que mais vezes vi nos últimos 27 anos. A sala de cinema onde vi, aos seis anos, pela primeira vez (e pela segunda) Os Salteadores da Arca Perdida já não existe. O que antes era conhecido como Alfa Triplex (que ficava no Areeiro, em Lisboa) é agora um condomínio.

Quando apareceu lá em casa, a meio dos anos oitenta, o primeiro gravador-leitor de vídeo, foi dos primeiros filmes que gravei, de uma Lotação Esgotada das quartas-feiras à noite, na RTP1, com anúncios da época. Essa cassete foi substituída por outra, parte integrante de uma caixa com os três filmes da série, que, por sua vez, passou do prazo quando os mesmos filmes saíram em DVD e, inevitavelmente, foram parar a uma prateleira de casa.

Ter visto os Salteadores tantas vezes é uma proeza de utilidade discutível. De acordo. Saber recitar o diálogo completo (com variações de voz) entre Harrison Ford e Alfred Molina a discutirem numa caverna colombiana não é coisa que se tenha em destaque no currículo, nem é uma experiência recomendável reproduzir o concurso de quem bebe mais shots de bagaço entre Karen Allen e um nepalês mal-encarado. Mas há qualquer coisa num filme em que um dos vilões é um macaco que sabe fazer a saudação nazi.

Marco Vaza (PÚBLICO)




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