domingo, julho 02, 2006

Metade de uma memória

Eram três para as cinco horas da tarde de um dia tumultuoso em Díli.
A carrinha Toyota da Cruz vermelha nunca mais chegava e eu exasperava. As lágrimas percorriam-me o olhar. As lágrimas sobrepunham-se umas ás outras e só terminaram no corpo de joseph que agarrava drasticamente. Esvaindo-se, apertava-o contra mim, chamava-o para a vida. Despertava-o; ou melhor: tentava!
O zumbido era permanente no meu ouvido. Era ensurdecedor, e de algum modo trazia um enjoo associado. Nem era já do corpo rijo que segurava. Não era do cheiro pérfido que me assombrava o nariz. Era antes a imagem de uma moça meia-descalça que se arrastava para fora do campo de tiro. Eu vi um colega morto. Vi pessoas estendidas sem escolha. Vi vidas encurtadas.
Aquilo era um campo de tiro. Uma chacina sem selecção. Ao acaso os projecteis escolhiam novos hóspedes para a sala negra, escura e soturna; Breu absoluto.
Uma náusea abordava-me todos os sentidos. Eu perdi as forças e fiquei embrenhado na coluna de corpos que jaziam naquela praça maldita.Os estrondos foram desaparecendo. Os rebentamentos tinham parado. Vi por momentos um branco indecifrável. Senti o meu corpo a ser abatido. Calou-se.
Acordei num hospital qualquer tapado por pedaços de jornais antigos. A enfermeira disse Bom dia e eu ri-me perguntei pela minha máquina e pela objectiva. Se estavam intactas. Ela disse que sim. Disse-me que tinha uma reportagem para acabar, mas antes que tinha uma recuperação pela frente. Perguntei por uma rapariga de vermelho ao qual ela não soube responder.
Ali não havia nomes. Só mortos e vivos. Naquela Igreja adaptada para Hospital percebi que tinha uma fotografia. A melhor que tinha tirado não tinha feito "Clic". Mas estava lá...algures na minha memória.

3 comentários:

Mary Mary disse...

Bemmmmm... Adorei! Quero saber o resto da história...

joaopedromira disse...

Não era suposto mas vou fazê-lo...

Primavera disse...

Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiii...
Que ele escreve.....
PARABENSSSS ...!!!!