Notei quando abrandei o meu ritmo de abstracção habitual que me é inerente apenas porque parei. Pus-me a observar inevitavelmente as pessoas que passavam naquele passeio de uma rua em lx. Invariavelmente as pessoas encostam as suas faces no o chão e socorrem-se de detalhes crueis que se multiplicam e tiram singularidade à individualidade, que as afastam. Medo disfarçado de egoísmo, silêncio urbano, soberba, chamem-lhe o que quiserem, há de tudo.
Nesse instante vi um personagem que se tornou cativante depois de algum tempo de observação. Esperava alguém e naquele momento destacava-se um indivíduo dos demais.
Um imigrante chinês, e apenas cito aqui a sua origem por facilidade de percepção mental e porque que não era nem mais nem menos que um cidadão do mundo oriundo do continente Asiático, que seguia a sua vida diária aproximou-se de uma motoreta velha de idade cuidadosamente estacionada e surpreendentemente bem tratada.
De capacete sobre o assento, aquele senhor verificou exaustivamente cada parte da motoreta encarnada, limpou o assento vezes sem conta e verificou o contador e avisador outras tantas. Passados uns momentos nestas verificações, diria que uns bons 15 minutos, passou então à ignição do motor e respectivas observações de mecânica. A moto foi meticulosamente inspecionada no meio da rua antes de prosseguir com a sua viagem. E aí surge o mais surpreendente. O senhor chinês arrumou o seu pano de limpeza no bolso de trás das suas calças e prosseguiu com a sua vida, deixou a sua moto no mesmo sítio fazendo entender que aquilo tinha sido uma verificação rotineira do estado geral do motociclo.
Percebi que aquela motoreta não se podia avariar, em qualquer circunstância, aquele ritual contido e justificativo fez-me alterar comportamentos menos razoáveis. O senhor da motoreta dava uma lição sem saber e calava-me a cada movimento de atenção com que era dado aquela pequena vespa encarnada, e logo a mim que pouco ligava a máquinas. Não digo afectivamente mas de algum modo as coisas parecem resistir mais tempo quando tratamos delas com tanta exigência e pormenor. Aquele senhor passou continuadamente aquele pano encardido pelas peças todas, verificou-a com precisão milimétrica e também com a noção que de onde aquela tinha vindo não vinha outra. Estava ali um momento de reflexão e de como nos desligamos do que temos, decorrente da facilidade com que nos publicitam produtos, ideias e imagens; como se tudo fosse desprezível, fácil e plástico, e daí a má associação do: estraga-se, vai fora! Somos impelidos a este círculo sem piedade pela terra mas defronte com as inúmeras questões até podemos ficar calados, se fizéssemos o mesmo que o senhor provavelmente havia mais observadores atentos na rua, que por uma vez que fosse pensassem no assunto. Acumulamos prémios e troféus rapidamente destrutíveis aos quais não damos interesse nenhum depois do uso, como brinquedos, como crianças. Mas aquele senhor não se pode dar a esse luxo, então verifica o seu transporte com inteligência. Não prevemos o uso, contemplamos o desperdício. A verdade é que provavelmente como tantas outras vezes vou esquecer este senhor e prosseguir com a destruição do que nos resta. Os mais "puros" dirão: andar a pé é que é, e o chinês que vá para a terra dele. (ele até ía...mas não cabe lá.) eu digo: a grande merda é quando não se tem nada e temos que viver com o que há (ainda está para nascer o conceito do que é não ter nada). Os que condicionam e os condicionados.
sexta-feira, novembro 03, 2006
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2 comentários:
Pssssiuuuu?
Para quando um regresso?
Verificação de palavras: limao (eheheh! Não resisti a escrever!)
tonta!
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