domingo, janeiro 14, 2007

A história do rapaz com um olhar desarrumado

Naquela escola secundária as aulas eram enfadonhas e pouco interessantes, havia porém alguém que me fazia pensar. Que Ser mais egoísta e calado dizia eu. As primeiras impressões não foram de facto as melhores, eram más mesmo. Era um personagem autêntico que ali andava, correspondia aos mínimos apenas por vontade da sua natureza aparentemente intuitiva. Era subtil nas suas afirmações, e por dentro eu juro que ele gritava convictamente. Era um rapaz diferente, notava-se até nas suas longas e demoradas passadas, remetia-se em ondas de frequência distintas, agora que penso era um rapaz sedutor, à sua maneira claro, as coisas que ele dizia quando falava eram certeiras e todos nós ficávamos pasmados com aquela alma tão sossegada, porém complexa e singular. Começei dia sobre dia a aperceber-me das diferenças que o afastava dos outros. O olhar era cirurgico. tão apurado que ele era capaz de desenhar horas a fio sem levantar a caneta do papel, com uma simples linha fazia o contorno dos mais incríveis objectos. Aquilo só por si constituía um exercício pleno de observação e detalhe como poucos naquela idade o fariam. Mais ainda, melhor que muitos dos que frequentavam artes quatro anos mais velhos. Era impressionante a facilidade, o rigor, a profundidade; acrescentava cor e a única caneta que tinha era preta, absolutamente preta. Caneta de arquitecto como eu dizia na brincadeira...
Um dia o rapaz de olhares desarrumados percebeu que coleccionava canetas sem tinta, vazias , não as deitava fora por nada mesmo que inutilizadas; eram todas da mesma marca, o traço: único. As canetas permaneceram na sua vida como a tinta que nela restava. Aqueles restos de tinta eram úteis nos seus desenhos, nas suas reflexões sobre o habitar, no pormenor e no devaneio.
Pensámos num fim para aquele rapaz quando ele estava no ínicio; Li hoje no jornal da manhã que tinha partido, estou triste; os documentários da sua vida e obra ocupavam a tv na dois, mas eu tinha o princípio da sua "loucura" e foi de facto qualquer coisa...
No fim guardei o choro e sorri.

2 comentários:

Anónimo disse...

Conheço bem essas canetas, o seu traço e o seu destino. Já lhes vi o fim à vista e já vi darem vida a uma folha branca! Já vi a minha cara e os meus traços! Já vi tudo e ainda me falta tudo! Ainda não vi nada realmente porque exitem anos para ver e mesmo assim não vou conseguir ver tudo porque a mão não pára...

Um desafio para a caneta preta que ela aceitou imediatamente! Uma dupla de palavras e de traços! E assim se constrói algo... :D

Anónimo disse...

sim. a menina das riscas é muito simpática...é o que é.
hihi