terça-feira, janeiro 30, 2007

Sala de cinema

Os ruídos que há pouco perpassavam os seus ouvidos misturam-se agora num doce e saudoso silêncio. A sala está vazia e promete continuar, não fora aquela uma reposição mal engendrada pelo promotor que teimava em flop´s sucessivos de quarta-feira à tarde! Porém este é um dia de mágoa e pensar no filme é tudo o que P. menos desejava...
Sentido o pequeno tremor fincou os olhos para dentro da história de si mesmo e filmou. A máquina que levava era Checoslovaca, comprada em Brno nos anos 50, e produzia um matraquear estranho ao funcionar- o som do cinema afasta-se- o local estava pouco desenhado e nada o levava a crer que tinha um nome próprio, era suave e familiar, mas só isso; não era o bastante para se deixar ficar.
P. percorreu a lente e o espaço, e às tantas deixou-se levar pela certeza que o espaço premeável que passeava era apaziguador e por isso muito intrigante. Nada nem sítio algum poria P. naquele estado de levitação, de ansiedade e sonho. A pulsação resistiu umas poucas vezes mais e nesse instante a mão e o nome que encerravam a resposta pareciam mais óbvias na trepidação da mão esquerda. Tocou-o ao ter ido ver um filme odioso e nada memorável. Não lhe pediu mas estava efectivamente lá. No fim levantaram-se e encaminharam-se para sítios diferentes, levaram vidas contrárias e as cidades já têm outros nomes. A cúmplice sala que permanecia foi hoje demolida.

domingo, janeiro 14, 2007

A história do rapaz com um olhar desarrumado

Naquela escola secundária as aulas eram enfadonhas e pouco interessantes, havia porém alguém que me fazia pensar. Que Ser mais egoísta e calado dizia eu. As primeiras impressões não foram de facto as melhores, eram más mesmo. Era um personagem autêntico que ali andava, correspondia aos mínimos apenas por vontade da sua natureza aparentemente intuitiva. Era subtil nas suas afirmações, e por dentro eu juro que ele gritava convictamente. Era um rapaz diferente, notava-se até nas suas longas e demoradas passadas, remetia-se em ondas de frequência distintas, agora que penso era um rapaz sedutor, à sua maneira claro, as coisas que ele dizia quando falava eram certeiras e todos nós ficávamos pasmados com aquela alma tão sossegada, porém complexa e singular. Começei dia sobre dia a aperceber-me das diferenças que o afastava dos outros. O olhar era cirurgico. tão apurado que ele era capaz de desenhar horas a fio sem levantar a caneta do papel, com uma simples linha fazia o contorno dos mais incríveis objectos. Aquilo só por si constituía um exercício pleno de observação e detalhe como poucos naquela idade o fariam. Mais ainda, melhor que muitos dos que frequentavam artes quatro anos mais velhos. Era impressionante a facilidade, o rigor, a profundidade; acrescentava cor e a única caneta que tinha era preta, absolutamente preta. Caneta de arquitecto como eu dizia na brincadeira...
Um dia o rapaz de olhares desarrumados percebeu que coleccionava canetas sem tinta, vazias , não as deitava fora por nada mesmo que inutilizadas; eram todas da mesma marca, o traço: único. As canetas permaneceram na sua vida como a tinta que nela restava. Aqueles restos de tinta eram úteis nos seus desenhos, nas suas reflexões sobre o habitar, no pormenor e no devaneio.
Pensámos num fim para aquele rapaz quando ele estava no ínicio; Li hoje no jornal da manhã que tinha partido, estou triste; os documentários da sua vida e obra ocupavam a tv na dois, mas eu tinha o princípio da sua "loucura" e foi de facto qualquer coisa...
No fim guardei o choro e sorri.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Caímos

Assim caímos em duplicado
Reforçamos o fosso
Pernoitamos na descida.

terça-feira, janeiro 02, 2007

Casas itenerantes

Sopraste por dentro da janela quando me viste,
soprámos os dois por janelas limpas.
Abriram-nos uma em que distávamos,
tão pouco.
Ela abriu quando as ferragens endureciam a vontade,
a janela.
As casas são andantes, assimilam viagens
conduzem-se
plenas de fugosidade, plenas de adeus.
são constantes
São viagens entre vidros e portadas.
Janelas apostas.

Sobre as dobras e as esquinas,
Apólogos soprados rejeitam-se, são assuntos reclusos.
Apressa-se a perversão.
Respondes com os vincos e as pontas.
Esqueces-te do resto.
Eu lembro restos:
subtis omissões,
intermitentes,
que também sou.
Sobra pensada, sem olhos que me persigam sem pedir.
Resta dizer que não prossigo errante.
Sobre a casa de janelas frágeis, que se quebram e amontoam,
voláteis.
Sobre o ínicio da fraqueza;
Prefiro fechar-me,
onde insistes perder-te.