segunda-feira, setembro 22, 2008

Lápis, muitos lápis...lápis lápis...

Deve ser o meu melhor amigo material desde sempre, desde pequenino. Dizem sempre que é difícil comprar uma coisa para mim, mas é fácil, dos melhores presentes que posso receber são lápis, não importa se são de cor ou não... Um dia trouxeram-me um lápis do MOMA e adorei simplesmente!
Brutal, aquela coisa veio de NY, UAU... Simples. Foi talvez das coisas mais simples que me deram.
Mas não foi a melhor. Essa não conto!
Hoje saí mais cedo, tive que fazer algo perto do Restelo, aproveitei e acorri logo para a beira do CCB, aquele sítio tranquiliza-me, o jardim do Império tem charme, carisma, e sim...espaço. Perfeito para namorar quando são tardes de trabalho e que mais ninguém está, perfeito para respirar o rio à distância, perfeito para ler. Mas sim, voltando ao início: Lápis! A minha paixão por lápis faz-me ver lojas de pintura e nada melhor do que ir espreitar a Arte Periférica...as duas lojas claro! Não se pode ver uma e não ver a outra! Sinceramente prefiro a Loja voltada para o interior do CCB, ainda que não tenha pó, é pena, nada como uma loja antiga cheia de pó onde há sempre tudo, mesmo que por detrás de uma estante, aquela que aparenta ser a mais antiga... Raios, já me estou a dispersar! (-típico- dizem vocês...). Ah, Lápis, isso, Caran D´ache!
Sim, Lápis que é lápis só pode mesmo ser Caran D´ache! Lembro-me perfeitamente de receber uma caixa que o meu primo mais velho me ofereceu, nos seus primeiros anos no Luxemburgo, tinha uns 18 lápis de cor Prismalo! A caixa era simplesmente mágica, tinha o segundo ponto mais alto da suiça, o Matterhorn, aquele pico que tem uma forma de pirâmide quadrangular e que o cume é torto como o bico de uma águia ( investiguei pelo Google Earth e lá o achei, fica na zona mais oeste da formação dos Alpes Suiços) . Nunca mais me esqueço, lembro-me perfeitamente de ouvir o meu pai dizer que só quando tivesse 10 anos é que podia abrir a caixa, até lá ficou simplesmente fechada, com os lápis todos alinhados pelos seus tons mais próximos, num acerto suiço, impecavelmente afiados. Quando me lembro desta história faz-me perceber porque dou valor a muita coisa hoje e que poucas pessoas dão, percebo que a espera é melhor do que a conquista, que é importante para sentir o "ter", manter o sentimento, fazer perdurar essa importância, percebo tudo isso, e por ter esperado pelo dia de poder abrir os lápis, usá-los, fez-me dar muito valor a estes pequenos objectos, perceber que qualquer coisa tem esse lado único e pode ser potenciada, que os pequenos gestos podem ser mais dramáticos e memoráveis que os grandes.
Saber que é preciso aprender a receber na altura certa, mas também aprender a dar sem ninguém perguntar, porque para manter um sentimento é preciso mais que muito, na maior parte das vezes, pequenos nadas. Aprendi a dar, aprendi a saber dar sim, mas nada se equilibra só por si, assim, como li há poucos minutos, é preciso aprender que tem que haver reciprocidade.
Com isto não acho que se espere sempre algo em troca, não assim, não é um preço, tem que ser mais do que isso, tem que ser sem pensar. Na verdade, aquilo que recebi foi uma lição, aprendi a não rasgar folhas quando as coisas me corriam mal, aprendi a usar sempre a mesma folha ao desenhar, e, mesmo que o desenho não corra bem, não se deve deitar fora, deve ser um desenho de busca, de procura, até achar a linha certa. Aprendi a não usar borracha, aprendi a riscar sobre o riscado, aprendia desenhar as linhas que queria com mais força sobre as outras, menos riscadas e tão mais desamparadas, aprendi que sobre uma mesma folha um desenho só pode correr bem, sem o deitar fora à mínima fragilidade, aprendi a ver então que se erra menos quando se começa a riscar muito o mesmo desenho, nessa procura, aprendi que se aprende mais se nos esforçarmos e não desistirmos porque sim apenas, porque o lápis não é o melhor do mundo, porque a luz não é a ideal, porque já não me apetece, porque estou cansado, porque a minha vida corre mal, porque estou triste, etc... Não, tudo isto está errado, as pessoas hoje desistem com a mesma facilidade com que entram nas coisas, já ninguém constrói, já ninguém "desenha" como antigamente, é mais fácil esquecer do que lembrar, recordar, é mais fácil desistir do que lutar, criar. É mais fácil de facto rasgar uma folha em que o desenho começou mal, porque não era isto que queríamos do que tentar fazer algo por ele, porque é o que faremos na próxima folha, e por aí adiante, perdendo a importância de cada uma, de cada desenho, de cada pensamento, de cada folha de papel. Para mim é fugir, é não solucionar, é enganar o desenho, pior, é enganarmo-nos. Não importa se temos tantas ideias e tantas folhas de papel se não conseguimos fazer um único desenho, finalizá-lo. Isso sim é difícil. Difícil é ter coragem e não desistir. Lutar é difícil, mas quem tem culpa é sempre o lápis ou a folha de papel, nunca nós, será? Difícil foi esperar pelos lápis e resistir à espera, difícil é manter o encanto, é o que já ninguém quer ou faz, difícil é não nos deixarmos iludir pelo cansaço do tempo. Não sei...cada vez que penso lembro-me da minha primeira caixa de lápis Caran d´ache e lembro-me o tempo que passou só a olhar para ela, à espera de um dia poder usá-la, essa espera aguçou-me uma memória que jamais esquecerei, a memória de que preservar é mais difícil que deitar fora, e por isso interessa-me mais esse sentimento, do que um outro mais perto de um laxismo latente, o chamado: "caguei e andei".
Hoje comprei alguns lápis aguareláveis, comprei-os avulso, escolhidos por mim, porque ligo a cada um deles, agora e sempre, e cada um há-de ter o seu uso, a sua ideia, o seus traços, mas nunca, nunca serão traços apagados.

Sem comentários: