quarta-feira, setembro 24, 2008

Rumo ao Sul...

Nem a propósito. Durante estes dias peguei num livro emprestado pela minha tia do Miguel Sousa Tavares chamado ´SUL viagens´. O livro não podia começar melhor, com um poema da sua mãe, Sophia...

O livro contempla várias viagens feitas a Sul. Curioso, parece que quando queremos evadir caminhamos para sul, de encontro com o sol, de encontro com uma paz interior que se reflecte nas paisagens sulistas apenas. Cheira-me que estava mesmo a precisar deste livro e uma viagem também não era mal pensado! Confesso, não são sou um fã incondicional do Miguel Sousa Tavares, sobretudo pelas suas intervenções demasiado caseiras, mas pouco importa porque na verdade este livro trouxe muita surpresa e entusiasmou-me, só por isso, e já é bastante, tendo em conta a conjuntura de emoções ultimamente, vale muito! De todas as viagens houve umas quantas que pisquei o olho, a viagem a Granada e a visita ao Alhambra é uma das tais, que aqui é descrita em poucas páginas mas pouco importa, é uma viagem a fazer.
De outros locais adorei a viagem ao Sahara, que é apresentado como um diário de bordo, durante quase um mês, metidos por dunas de areia, estradas escavacadas, pó e cascalho, a comer latas de conserva e pouco mais (aqui as criações gastronómicas são divinais e de rir bastante). Só podia ser a última história porque é tão bem contada, e é bem contada porque não tem tretas, é o que é, sem pretensões, preconceitos literários, nada disso faria sentido também num diário de bordo, pois claro. As histórias do jipe UMM são de ler e reler, e muitas devem ter ficado por contar. Era uma das coisas que adorava fazer, pegar num jipe (ok, ter um jipe é fundamental, não tenho)
e alguns amigos, alguns têm mesmo que ser pegados porque de outra forma não funciona, tenho amigos demasiado racionais para tanta maluqueira, assim não dá. Bússola, isso, mas para mim não chega, tem que ser GPS com aviso sonoro e alguém que saiba mexer com o brinquedo que não eu, para não avariar na partida, mas assim também não chega, tenho que levar mapas cartografados como é descrito e aconselhado no livro! Sim, há um episódio fantástico em que um casal recém-casado nórdico anda a "passear" no meio de África a querer ir para sul mas a andar ao contrário, completamente perdidos, como um mapa da michelin...o amor é lindo, mas...tem limites! Pronto, pronto, eu percebo-vos, nórdicos malucos.
Outra história interessante remete-me para uma imagem do "Paciente Inglês", do Anthony Minghella com a sedutora e charmosa Juliette Binoche, em que o jipe do MST não sabe se está no trilho certo em que toda a caravana composta por 15 carros se perdem uns dos outros por completo, e ao cair da noite, percebem que estão perdidos e que vão ter que esperar no carro por ajuda. A história é singularmente interessante por ser verídica, aquele sentimento de estar perdido mas sem ter medo, com o céu como tecto, onde passam cometas e satélites, onde o crepúsculo não existe, deve ser arrasador de aventureiro que é, e no fim, passadas umas horas, lançar o sinal luminoso no céu vazio, um flare encarnado que perfura os céus a km de distância, na esperança que alguém o veja . Uau, passar assim uma noite no meio do deserto com uma boa companhia, a tal, deve ficar na memória e no baú das paixões de qualquer pessoa para sempre!
Mas no caso do Miguel Sousa Tavares a companhia não devia ser lá grande coisa, acho que era um co-piloto...
Acho que é preciso coragem para fazer uma reportagem assim, agarrar deixar a família, mulher e filhos para trás, e meter-se num jipe com uma silhueta angulosa,o típico forte-e-feio, a caminho do deserto e sobretudo de uma grande aventura e espírito de camaradagem.
Há uma mensagem curiosa que o M. deixa...é que aqueles que aparentam ser uns valentões são os primeiros a quebrar e os que pareciam que não valiam nada afinal eram os mais resistentes e corajosos. O meu pai contou-me algo semelhante sobre a sua passagem pela Guerra Colonial em Angola, os valentões são os primeiros a dobrar nos primeiros sinais de perigo e os franzinos os primeiros a arregassar as mangas, porque medo, medo todos têm.

Ontem finalizei este livro que se lê descontraídamente e em pouco tempo, e curiosamente, amanhã parto para o sul. Parto para o Alentejo logo às 9.00 da manhã. Parto para o sossego, para a paz, e espero, para os sorrisos. Amanhã é dia de uma boa almoçarada, de bons costumes alentejanos, de bom pão e queijo ainda melhor, de um bom vinho tinto em cima da mesa, de pó nas calças, nos ténis, e sonhos nas mãos.
É tempo de continuar a sonhar...

Acabo como o Livro começa...

Deriva

Vi as águas os cabos vi as ilhas
E o longo biloiçar dos coqueirais
Vi lagunas azuis como safiras
Rápidas aves furtivos animais
Vi prodígios espantos maravilhas
Vi homens nus bailando nos areais
E ouvi o fundo som das suas falas
Que já nenhum de nós entendeu mais
Vi ferros e vi setas e vi lanças
Oiro também à flor das ondas finas
E o diverso fulgor de outros metais
Vi pérolas e conchas corais
Desertos fontes trémulas campinas
Vi o frescor das coisas naturais
Só do Preste João não vi sinais

As ordens que levava não cumpri
E assim contando tudo quanto vi
Não sei se tudo errei ou descobri

Sophia de Melo Breyer Andresen

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