sexta-feira, julho 28, 2006

Viagem ao faz-de-conta número dois

Há viagens daquelas que se sabe à partida que vão correr bem.
Por entre janelas e sonhos, desejos e novos projectos, viajámos.
Os dois.
A sós.
Percorremos praias. Galgámos encostas, tal e qual como descobridores.
Descansámos as tristezas, pusémo-las de parte.
Risadas imensas, momentos de prazer continuados que ainda hoje tenho saudades.
Adoro-te.

Das sombras e dos espectros...viajei

Asimov refaz toda a sua mala de viagem em torno de uma ideia, meio turva e até precipitada, por entre as conversas ausentes que o rodeia. Substitui calor por frio na referida mala reforçada para incursões no deserto, e estipula mentalmente o percurso enquanto a preenche; os sons provocados pela ignorância continuam a circulá-lo aceleradamente, passam-lhe vidas alheias e vazias de todos os lados, mas agora, num tom mais apropriado. Do seu lado direito ouve uma história de infidelidade contada entre amigos, sobre sorrisos e gargalhadas. Ouve a astúcia de como engatar a rapariga do outro lado do bar. Ouve mentes demissas...
O barman era um senhor alto ligeiramente magro e, apesar da sua idade, devo-lhe acrescentar alguma postura até, próximo da elegância, com as suas mãos a agirem com delicadeza ao trabalho; limpa os copos um-a-um, verifica-os meticulosamente como aquela fosse exactamente a melhor profissão do mundo e coloca-os prontos a serem solicitados, impecavelmente; refinado. A exigência de ali estar, atento, com aquelas horas tardias, e servir prazer e sono aos devaneios e insónias dos hóspedes, vai para além do súbtil e precioso, um companheiro mudo, talvez, num bar de hotel sem história que poderia existir num outro lugar do mundo; até ao mais recôndido e precioso lugar assiste-se a uma desvirtuação na natureza do sensato, vítima da repetição insensível e dos monopólios. Asimov, atento às movimentações e da dança, que envolve aquela injusta profissão de não saber bem quando se serve o último copo, a última viagem, levanta-se cuidadosamente e repara que as luzes envolventes do bar já se encontram semi-encerradas e que é dos últimos a abandonar a sala. Recolhe então os seus apontamentos em folhas de guardanapo e coloca-as dentro do bolso dos calções como se fosse o mais precioso da noite. Os bancos agora, mais vazios, visualizam as sombras da noite e a refracção da luz desvanece. Das sombras e dos espectros viu coisas absolutamente belas e inesperadas. Dos corredores de Hotel vê mais claro, distorce a realidade de um corredor faustoso e simplifica-o. Com a mão vai percorrendo a extensão da parede, contornando as molduras das portas por entre as pontas dos dedos, até descobrir a sua.
Como é o que o cérebro aceita alterações de humor, porque é que somos tendenciosos e teimosos, para de repente deixarmos cair tudo, como a leveza de quem vê partir quem não sente, e ainda lhe diz um adeus por dentro de um teatro.
Quando abriu a porta do quarto, Asimov, sabia que tinha de sair naquele momento. Há circunstâncias que não esperam, há ideias que morrem se as deixarmos dormir, mesmo que por uma noite...

quinta-feira, julho 27, 2006

Pintor da vida moderna?

Concentremo-nos então na possibilidade de me tornar um artista, um pintor.
Começei a fazer a lista, reparo que: tenho os melhores pinceis, as melhores telas, o melhor atelier...mas não chega, falta-me ainda o principal, uma vida moderna para viver e questionar; pertinente.
Mas e a vida que tinha tido até então, valerá de alguma coisa?

título emprestado O pintor da vida Moderna, Baudelaire

terça-feira, julho 25, 2006

quarta-feira, julho 19, 2006

sábado, julho 15, 2006

Um elogio ao cinema

Passar um blade-runner de 1982 sem legendas já usado, gasto -ainda que sobre um pré- aviso das condições da cópia - indicando rasgões de um visionamento desgastante, ao filme que não é trazido na versão aclamadada e mais que setenciada às obras primas do cinema, mas sim da teimosia de um realizador , poderia ser um perigo!Mas não...
Esta versão é menos esclarecedora, as cadeiras que nos acomodavam faziam-no pessimamente para além de haver uma certa ligeireza por parte de quem estava a controlar o acesso à esplanada. Sim. O filme foi reproduzido numa esplanada para 160 pessoas sentadas e umas tantas de pé com o charme do velho cinema misturado com as honras do progresso. O começo e a tela a surgir por dentro de um cenário exterior quase irreal ou sobrenatural. Algumas contrariedades que não afectaram a beleza estranha do filme e muito menos aquela reunião intensa por entre amigos, esforçados apreciadores de cinema, cinéfilos e outros nem tanto...
Nem mesmo a versão encurtada conseguiu demover as sigulares memórias que cada um dos presentes certamente sentiu. Claro que nem todos terão visto o filme aquando da sua passagem pelo cinema- eu próprio tinha 2 anos- outros mesmo não o viram sequer; e a esses resta-me dizer que viram parte da película, e que bobine certa devia estar emprestada ou perdida por entre preciosidades do cinema.
A isto tudo sobrepõe-se a imensa qualidade do filme original carinhosamente intitulado por Manuel Cintra Ferreira na folha de apresentação do filme -que consegui roubar na entrada- como Producer´s Cut. Uma leve mordidela à capacidade de Ridley Scott.
A cinemateca está de parabéns. Pena que este tenha sido um bónus por entre filmes de Hitchcock...sem desprimor para o mesmo, óbvio.
Eu voltei a entrar no filme, naquela tela assente em duas torres elevatórias que saía por dentro do jardim; não me recordo do personagem que vivi mas recordo uma noite de Verão sumptuosa, muito bem passada, numa esplanada com um karma imenso.
Intenso.
www.cinemateca.pt

segunda-feira, julho 10, 2006

domingo, julho 02, 2006

Metade número dois

Os distúrbios da cidade provocam-me.
Imagino-me a descansar numa esplanada, a beber algo, onde possa . As pessoas não imaginam como é estar sozinho num local depois do que enfrentei; pelo que passei. Ali não há partilha, só eu e o sítio.
Porque por momentos tenho paz, até trancar os olhos em pensamento. Memórias.
Um medo é-me servido diariamente e com ele convivo como se fosse mais uma peça sem lugar definido . Apenas as camadas que estilizam a paisagem acolhem-me na altura de construir futuro; sonhar.
As pessoas agem ordeiramente e ao pequeno movimento em falso eu noto; pressinto. Eu entendo aquela cidade como se fosse o meu último instante. Uma última passagem.
Mesmo sobre essa condição de pena a que a vida me submete, essa frugalidade constante, não ouso enfrentar o passado. Não ouso sequer percebê-la como um possível síndroma pictórico recorrente. Mas esse é o primeiro descontrolo. Instala-se a inevitabilidade e quase sempre o pânico. A Rapariga que me distrai e mantem alerta, corre diante do autocarro. de forma a conseguir chegar a tempo. A porta abre. Eu saio. Os meus olhos fecham ao reflexo do som do bater das portas. O barulho instala-se na minha cabeça. O som transforma-se em algo pungente e demolidor; Dilui-se. Persegue-me. São lembranças que vão chegando; e eu, a querer despertar. Deixei cair a minha Reflex no chão e sem dar por isso a minha mão treme descompassadamente. A lente cai sobre o corpo e quebra num lancil de uma rua qualquer. De repente estou lá outra vez. Oiço de novo vidas a parar; interrompidas. Oiço-me constantemente; frenético. A rua passou a ter nome de general e eu passei a ser um alvo a abater. Sou repórter de guerra.
Capto as cápsulas a embater no chão a uma velocidade estonteante. A vida é também ela uma cápsula. Para alguns vive-se para além dela. Para os que transpõem essa ténue linha por entre o desafio e o desconhecido, entre uma imagem e uma oportunidade de vida, já não haverá mais voz que cale e que apague a fotografia sangrada tirada por uma lente de 50mm.
Acumula-se a sujidade e o nojo por nada ter feito. Apenas não consigo...

Metade de uma memória

Eram três para as cinco horas da tarde de um dia tumultuoso em Díli.
A carrinha Toyota da Cruz vermelha nunca mais chegava e eu exasperava. As lágrimas percorriam-me o olhar. As lágrimas sobrepunham-se umas ás outras e só terminaram no corpo de joseph que agarrava drasticamente. Esvaindo-se, apertava-o contra mim, chamava-o para a vida. Despertava-o; ou melhor: tentava!
O zumbido era permanente no meu ouvido. Era ensurdecedor, e de algum modo trazia um enjoo associado. Nem era já do corpo rijo que segurava. Não era do cheiro pérfido que me assombrava o nariz. Era antes a imagem de uma moça meia-descalça que se arrastava para fora do campo de tiro. Eu vi um colega morto. Vi pessoas estendidas sem escolha. Vi vidas encurtadas.
Aquilo era um campo de tiro. Uma chacina sem selecção. Ao acaso os projecteis escolhiam novos hóspedes para a sala negra, escura e soturna; Breu absoluto.
Uma náusea abordava-me todos os sentidos. Eu perdi as forças e fiquei embrenhado na coluna de corpos que jaziam naquela praça maldita.Os estrondos foram desaparecendo. Os rebentamentos tinham parado. Vi por momentos um branco indecifrável. Senti o meu corpo a ser abatido. Calou-se.
Acordei num hospital qualquer tapado por pedaços de jornais antigos. A enfermeira disse Bom dia e eu ri-me perguntei pela minha máquina e pela objectiva. Se estavam intactas. Ela disse que sim. Disse-me que tinha uma reportagem para acabar, mas antes que tinha uma recuperação pela frente. Perguntei por uma rapariga de vermelho ao qual ela não soube responder.
Ali não havia nomes. Só mortos e vivos. Naquela Igreja adaptada para Hospital percebi que tinha uma fotografia. A melhor que tinha tirado não tinha feito "Clic". Mas estava lá...algures na minha memória.