sexta-feira, novembro 03, 2006
O senhor chinês que tinha uma motoreta encarnada
Nesse instante vi um personagem que se tornou cativante depois de algum tempo de observação. Esperava alguém e naquele momento destacava-se um indivíduo dos demais.
Um imigrante chinês, e apenas cito aqui a sua origem por facilidade de percepção mental e porque que não era nem mais nem menos que um cidadão do mundo oriundo do continente Asiático, que seguia a sua vida diária aproximou-se de uma motoreta velha de idade cuidadosamente estacionada e surpreendentemente bem tratada.
De capacete sobre o assento, aquele senhor verificou exaustivamente cada parte da motoreta encarnada, limpou o assento vezes sem conta e verificou o contador e avisador outras tantas. Passados uns momentos nestas verificações, diria que uns bons 15 minutos, passou então à ignição do motor e respectivas observações de mecânica. A moto foi meticulosamente inspecionada no meio da rua antes de prosseguir com a sua viagem. E aí surge o mais surpreendente. O senhor chinês arrumou o seu pano de limpeza no bolso de trás das suas calças e prosseguiu com a sua vida, deixou a sua moto no mesmo sítio fazendo entender que aquilo tinha sido uma verificação rotineira do estado geral do motociclo.
Percebi que aquela motoreta não se podia avariar, em qualquer circunstância, aquele ritual contido e justificativo fez-me alterar comportamentos menos razoáveis. O senhor da motoreta dava uma lição sem saber e calava-me a cada movimento de atenção com que era dado aquela pequena vespa encarnada, e logo a mim que pouco ligava a máquinas. Não digo afectivamente mas de algum modo as coisas parecem resistir mais tempo quando tratamos delas com tanta exigência e pormenor. Aquele senhor passou continuadamente aquele pano encardido pelas peças todas, verificou-a com precisão milimétrica e também com a noção que de onde aquela tinha vindo não vinha outra. Estava ali um momento de reflexão e de como nos desligamos do que temos, decorrente da facilidade com que nos publicitam produtos, ideias e imagens; como se tudo fosse desprezível, fácil e plástico, e daí a má associação do: estraga-se, vai fora! Somos impelidos a este círculo sem piedade pela terra mas defronte com as inúmeras questões até podemos ficar calados, se fizéssemos o mesmo que o senhor provavelmente havia mais observadores atentos na rua, que por uma vez que fosse pensassem no assunto. Acumulamos prémios e troféus rapidamente destrutíveis aos quais não damos interesse nenhum depois do uso, como brinquedos, como crianças. Mas aquele senhor não se pode dar a esse luxo, então verifica o seu transporte com inteligência. Não prevemos o uso, contemplamos o desperdício. A verdade é que provavelmente como tantas outras vezes vou esquecer este senhor e prosseguir com a destruição do que nos resta. Os mais "puros" dirão: andar a pé é que é, e o chinês que vá para a terra dele. (ele até ía...mas não cabe lá.) eu digo: a grande merda é quando não se tem nada e temos que viver com o que há (ainda está para nascer o conceito do que é não ter nada). Os que condicionam e os condicionados.
quinta-feira, novembro 02, 2006
A rapariga das riscas
Certo dia lá ganhou coragem para entrar e viu a loja mais encantadora até hoje.
Carregada de pó e de memórias vastas a menina de pernas altas e riscadas, franja preta inclinada sobre os olhos, subiu por entre o amontoado de caixas empilhadas até atingir o topo daquela montanha. Chegara ao tecto destemidamente e as caixas não demonstraram sinal de alarme; não estremeceram um mícron sequer! Foi então que do alto daquele amontoado se apercebeu que o chão se encontrava muito mas muito lá ao longe. O medo e os tremores apoderaram-se das suas pernitas listadas cheias de cor e por pouco não se assistiu a um grande trambulhão. Lá se agarrou fervorosamente a um pedaço de madeira que surgia misteriosamente do tecto, por entre bocados de estante e livros amassados. O ruído acentuou-se até quebrar e aquela pequena peça mexeu-se soltando um livro dourado que levemente dançou numa descida abismal sem tocar em nada. Miraculosamente em nada! A menina lá garantiu o equilíbrio e aventurou-se numa descida acelerada e perigosa na ânsia de bisbilhotar o volume ímpar que caíra lá do cimo da pilha de caixotes. A vontade assombrou o medo e fê-lo desaparecer nos 10 segundos de "Rappel" por ali abaixo.
Zás Zás Zás e cá estava ela novamente; pronta para ver o conteúdo do pequeno livro dourado.
O livro vinha bem trancado e mesmo assim a sua teimosia era mais forte; com alguma perspicácia e desenvoltura lá se desembaraçou do trinco e abriu o livro mágico que sobrevivera ao impacto! A primeira vez que olhou para ele não percebera bem o que era. Até olhar uma e outra vez, apercebendo-se que se via mais velha, e de seguida mais nova. Como se a vida lhe corresse pelos olhos. Viu tristeza, viu passado. Mas o livro era uma coisa boa e logo logo se percebeu que aquela rapariga de pernas longas e esguias, maria-rapaz e teimosa como tudo se iria dar bem na vida que lhe seguia. Era nova mas viu cor, paixão e paz. Não se apercebera de metade, o que era de esperar, mas hoje mantêm o livro por perto e guarda-o sempre como alguém protege a vida. Apenas por uma vez abriu a pequena maravilha, este dia que estou a agora a contar, e diante dessa circunstância apoderou-se de um grande pedaço do seu futuro e logo num bazar antigo e desocupado arrastado para um canto de cidade desabitada. Um ar movia-se lentamente e soprava debaixo da porta soltanto um silvo arrepiante e sombrio. Assustada esquivou-se daquele canto e saiu porta fora a correr sem olhar para trás, como dizem as histórias que atemorizam as crianças pequenas.
Nunca mais necessitou de olhá-lo e tentar vislumbrar mais. Não precisava, sabia que a vida lhe iria sorrir. Sempre o soube, talvez não tivesse precisado de ter sentido uma imagem. Hoje já não sabe se acredita ou se teria sido um pequeno sonho como todas as crianças têm. Hoje a maria-rapaz é mulher e já esqueceu parte da imagem daquele dia, aquela publicação misteriosa que a teria acompanhado. Hoje a senhora das riscas largou a voz da vida sobre o chão aos 94 anos de idade apertando a caixa que continha a preciosidade, como quem diz: sabia exactamente onde se iria achar e logo logo como se iria perder. Seguiu o rumo que lhe foi escolhido, mesmo não querendo, que sabia e já tinha vislumbrado e nada conseguiu fazer para o alterar, mesmo pensando demasiado nele. Torturando-se por ter seguido ou não aquela escada... percurso inevitável? Mesmo esgotando as hipóteses de uma publicação dourada avariada. Mas não! Agora quer voltar para trás e não pode. Quer perceber se não o tivesse encontrado teria tido uma vida similar, ou ,se por outro lado, é tudo um disparate, uma então: ilusão...de criança.
Um sonho de listas às cores por cima do joelho abateu-se sobre aquele quarto que alberga uma senhora idosa deitada descansadamente sobre a pedra da sala de jantar.
quarta-feira, novembro 01, 2006
Quando era pequeno.
Esse limite ínfimo que foge em minutos traz tanta memória que agora percebo que só podia ser para nós. Debruçados sobre um mar denso mas sereno deitámos as nossas tristezas e invocámos amor. Amor: Escrevo-te de um país longínquo onde o sol se fecha e esconde no dorso de uma formação montanhosa. Alinho linhas tremidas e esborratadas sem mar pela frente e apenas bocados de papel preenchidos que resolvem ir para ti.
Espero que esta decisão não tenha escolhido afastamento e que denuncie a nossa paixão quanto antes. Perder-me nela. Prendam-me já! ponham-me na cela que te antecede. Prefiro-a a uma liberdade distante.
Até já.
Maria Antonieta
Fica-se pelos planos magníficos mas repetidos de um filme anterior, com músicas quase vindas directamente de "Tóquio" para este como se fosse um apanhado de temas sobrantes.
Não desgosto da abordagem ainda que muito idêntico ao anterior e em quantidades quase intoleráveis...
A novidade perde-se e nem a diferente temática conseguiu mudar o rumo.
Apenas médio.
Kirsten Dunst? não muito obrigado...
terça-feira, outubro 10, 2006
Eram todos bons rapazes
As histórias remetem-me para uma transição abrupta do que foram aqueles anos de Guerra Colonial que mudaram expressões e sobretudo: trouxeram a morte antecipada da inocência.
Os nomes transportam pessoas. Os sítios transportam cheiros e poeiras. O batalhão com nomes e lugares transportam-nos por dentro de uma Guerra...os seus episódios e epopeias... heterogénio como descreve a singularidade de cada vida ali entregue...e então novamente o batalhão...por fim: Angola.
Raiva?
Fechei os olhos sem querer. Enervado reservei-me no direito de não prosseguir a conversa da qual por vezes não fazia parte e no entanto me destroçava: Agudamente. Que parte dos diálogos conversas ou imposições de oratória desnivelam a razão? E que certeza há que implique subjugar a outra opinião?
Quão determinantes somos que rompemos com qualquer definição de opinião noção e ideia?
Que eloquência é essa que irrompe por uma relação e a parte em dois?
Que subtileza crua é essa que não nos fala informa sem forma?
Que silêncio calado é esse que no fim diz-se eloquente?
Que sensibilidade permite parar diante da discussão para além do objecto de conversa e por nós não escolhida?
Que infíma parte resolve um confronto?
Quantos braços se torcem para manter paz?
Quantos de mim são necessários para o entendimento?
Quantas fracções resolvem um silêncio calma e determinam as pazes?
Que minimeza é essa que por vezes se acalma e por outras se exalta?
Qual a definição de razoabilidade... quem a determina e qual a lógica de não segui-la?
sábado, setembro 30, 2006
The unbearable lightness of being
Praga.
Primavera.
Vermelho.
Uma mulher.
Outra mulher.
As outras.
Fuga.
Reencontro.
Paixão.
Mulheres.
Paixão por ele.
O que é de facto mais pesado na vida de um ser?
Que fardo é esse que se aparenta tão leve?
Por quem os homens amam?
Por quem eles morrem?
quinta-feira, setembro 28, 2006
Mariana canta Marias
Ondajazz
Dia 28.
Quinta.
23H00 .
Maria Abrunheiro (voz)
Ruben Alves (piano)
"Mariana Abrunheiro sabe ir ao encontro de quem está a ouvir para lhe entregar as suas emoções .
O prazer que ela tem a cantar é o mesmo que aquele que temos em ouvi-la.
Esta troca propaga-se muito rapidamente na sala. Porque Mariana vive as suas palavras, os seus movimentos, os seus poemas, as suas canções através do vosso olhar, seguindo o fio da história das Marias de todos os países que ela tanto procurou.
Maria canta Marias.
Há em Mariana Abrunheiro aquela força de honestidade, uma voz que não nos deixa indiferentes. Uma voz que aquece, que fica ao pé de nós mesmo quando vamos embora, porque Mariana sabe fazer-nos entrar na sua história, na sua noite.
Com generosidade, força mas também um certo pudor.
Quem, melhor do que Ruben Alves, poderia responder para estar ao seu lado, responder aos seus poemas com notas essenciais, ricas, simples, quentes e tão verdadeiras. Notas que transportam rimas, voz e magia naquela viagem única.
Ruben sabe estar presente quando é preciso...
- Mariana Abrunheiro...- Ruben Alves...- Você...
Esta noite, uma história... três cumplices ."
sexta-feira, setembro 22, 2006
Volver
O filme é mais do que isto porém é mais simples.
Nos tempos que correm o comentário a fazer não vem nem em pontos nem estrelas...
mas sim...vale o roubo do bilhete!
eles só não dizem na bilheteira: mãos ao ar! isto é um assalto...porque de resto é similar...